09 junho 2006

Crônica do Kledir Ramil sobre "Caiu na rede"

A escritora e jornalista Cora Rónai acaba de lançar um livro interessante chamado Caiu na Rede, onde coloca os pingos nos is e esclarece a verdadeira autoria de certos textos que circulam pela internet.
Dentre eles está incluído o meu Tipo Assim, um dos campeões de circulação, que se transformou em um "clássico" assinado por Luis Fernando Veríssimo.
Tipo Assim é de 2003 e dá título ao meu primeiro livro de crônicas. Tenho recebido meu próprio texto, de várias partes do Brasil, assinado pelo mestre Veríssimo. Inclusive em arquivos Power Point, com música e ilustrações bonitas.
Alguns amigos e admiradores me escrevem indignados com tudo isso e já criaram até uma comunidade no Orkut. Na tentativa de desfazer o equívoco, criam novas mensagens e fazem circular para que a autoria seja devidamente creditada.
Fico agradecido pela iniciativa e pelo carinho. De minha parte, não esquento muito a cabeça, pois já estou acostumado a ser confundido com outro. Durante minha vida inteira a história se repete. Por mais que eu tente explicar, ninguém aprende quem é o Kleiton e quem é o Kledir. E tem até gente que pensa que somos colados um no outro.
Como foi no dia do casamento do Kleiton, quando o padre perguntou pra noiva:
Luciana, aceita casar com Kleiton & Kledir?
Quando eu era criança, lá no sul, havia uma brincadeira chamada telefone sem fio. Não, não estou falando de celular. Telefone sem fio era uma brincadeira de rua, onde um grupo de crianças ficava passando mensagens faladas, de um para o outro. O primeiro criava uma frase, dizia baixinho no ouvido do segundo, esse por sua vez repetia para o terceiro e assim por diante até chegar ao último da fila, que então falava em voz alta o que havia sobrado da mensagem.
A diversão era exatamente essa, comparar a frase inicial com a bobagem em que ela havia se transformado após atravessar todos os obstáculos intermediários. Desde interferências reais, como problemas de audição, até contribuições voluntárias, como trocadilhos e piadinhas sem graça.
Hoje em dia vejo essas mensagens que circulam pela internet, sem autoria correta, um pouco como esse antigo telefone sem fio. Alguém pescou uma idéia, mexeu um pouco e passou adiante. Aí vem um e cola uma figura. Outro corta um parágrafo e acrescenta uma gracinha. Muitas vezes o que chega ao destinatário é um monstrengo literário, um texto Frankstein, sem pai nem mãe, pois ninguém é louco de querer assumir a paternidade de um negócio desses.
No caso do meu Tipo Assim, até que o texto se manteve mais ou menos fiel ao original. Apenas mexeram em alguns detalhes e acrescentaram um pedaço de uma outra crônica de minha autoria, que não altera o espírito da coisa, apenas o ritmo da narrativa.
Ah sim, e no final concluíram a obra com uma citação de Einstein.
Da qual eu nunca ouvi falar e não posso garantir que seja verdadeira.
Só Deus sabe!

Tipo assim

De: Kledir Ramil
Atribuído a: Verissimo

Tô ficando velho! Um dia desses, às 2 da manhã, peguei o carro e fui buscar minha filha adolescente na saída do show do Charlie Brown Jr. Ela e as amigas estavam eufóricas e eu ali, meio dormindo, meio de pijama, tentei entrar na conversa.
E aí, o show foi legal?
A resposta veio de uma mais exaltada do banco de trás.
Cara! Tipo assim, foda!
E outra emendou.
Tipo foda mesmo!
Fiquei tipo assim calado o resto do percurso, cumprindo minha função de motorista. Tô precisando conversar um pouco mais com minha filha, senão daqui a pouco vamos precisar de tradução simultânea.
Para piorar ainda mais, inventaram o MSN, essa praga da internet onde elas ficam horas e horas escrevendo bobagens umas pras outras, em código secreto. Tipo assim "kct! vc tmb nunk tah trank, kra. Eh d+, sl. T+ Bjoks. Jubys". Em português: "Cacete! Você também nunca está tranqüila, cara. É demais, sei lá. Até mais, beijocas. Jubys".
Jubys, que deve ser pronunciado "diúbis", é isso mesmo que você está imaginando, a assinatura. Só que o nome de batismo é Júlia, um nome bonito, cujo significado é "cheia de juventude", que minha mulher e eu escolhemos, sentados na varanda, olhando a lua... Pois Jubys é hoje essa personagem de cabelo cor de abóbora, cheia de furos nas orelhas, que quer encher o corpo de piercings e tatuagens. Tô ficando velho!
Outro dia tentei explicar pro mesmo bando de adolescentes o que era uma máquina de escrever. Nunca viram uma. A melhor definição que consegui foi "é tipo assim um computador que vai imprimindo enquanto você digita". Acho que não entenderam nada.
Eu sou do tempo do mimeógrafo. Para quem não sabe, é uma máquina que você coloca álcool e dá manivela para imprimir o que está na folha matriz. Por sua vez, essa matriz precisa ser datilografada (ver "datilografia" no dicionário) na tal máquina de escrever, sem a fita (o que faz com que você só descubra os erros depois do trabalho feito), com o papel carbono invertido... Enfim, procure na internet que deve haver algum site de antiguidades que fale sobre mimeógrafo, papel carbono, essas coisas. Se eu ficar explicando cada vocábulo descontinuado, não vou conseguir acompanhar meu próprio raciocínio.
Voltando às garotas, a cultura cinematográfica delas varia entre a "obra" de Brad Pitt e a de Leonardo de Caprio. Há anos tento convencê-las a ver "Cantando na Chuva", mas sempre fica para depois. Um dia, cheguei entusiasmado em casa com um filme francês que marcou minha infância: "A guerra dos botões". Juntei toda a família para a exibição solene e a coisa não durou nem 5 minutos. O guri foi jogar bola, Jubys inventou "um trabalho de história sobre a civilização greco-romana que tem que entregar tipo assim até amanhã senão perde ponto" e até minha mulher, de quem eu esperava um mínimo de solidariedade, se lembrou que tinha um compromisso com hora marcada e se mandou. Fiquei ali, assistindo sozinho e lembrando da época em que eu trocava gibi na porta do Capitólio.
Eu sou do tempo em que vidro de carro fechava com maçaneta. E o Fusca tinha estribo, calha e quebra vento. Não espalha, mas eu andei de Simca Chambord, de DKW, Gordini, Aero Willys e até de Romiseta. Não dá pra explicar aqui o que era uma Romiseta, só vou dizer que era tipo assim um veículo automotivo, com 3 rodas, que a gente entrava pela parte da frente (onde hoje fica o motor) e a direção era grudada na porta. Procure na internet, deve haver um site.
Tá bom, tá bom, confesso mais. Usei camisa Volta ao Mundo, casaquinho de Banlon, assisti à Jovem Guarda, O Direito de Nascer, mas é mentira essa história de que meu primeiro disco gravado foi em 78 rotações.
Há pouco tempo, João, meu filho de 8 anos, pegou um LP e ficou fascinado. Botei pra tocar e mostrei a agulha rodando dentro do sulco do vinil. Expliquei que aquele atrito era transformado em pulsos elétricos e transmitido através do toca-discos, dos fios, até chegar ao alto falante onde era gerado o som que estávamos escutando... mas aí ele já estava jogando sei lá o que no videogame. Não é que ele seja desinteressado, eu é que fiquei patinando nos detalhes. Ele até que é bastante curioso e adora ouvir as "histórias do tempo em que eu era criança". Quando contei que a TV, naquela época, era toda em preto e branco ele "viajou" na idéia de que o mundo todo era em preto e branco e só de uns tempos para cá é que as coisas começaram a ganhar cores.
Acho que de certa forma ele tem razão.
Tipo assim...